sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lisboa, Largo do Carmo – Milão, Piazza Loreto

“…
_ Como é o nevoeiro? – perguntou.
_ O nevoeiro aos hirtos morros sobe a chuviscar e debaixo do mistral grita e branqueja o mar… Como é o nevoeiro?
_ Não me baralhe, sou apenas um médico. Além disso, estamos em Abril, não lho posso mostrar. Hoje é dia 25 de Abril.
_ Não sou muito culto, mas creio tratar-se de uma citação. Podia dizer que hoje é o dia da Libertação. Sabe em que ano estamos?
_ Seguramente depois da descoberta da América…
_ Não se lembra de uma data, uma data qualquer de antes… de acordar?
_ Qualquer? Mil novecentos e quarenta e cinco, fim da Segunda Guerra Mundial.
_ Não chega. Não, hoje é dia 25 de Abril de 1991. … “

Este diálogo é travado entre um homem que perdeu toda a memória acerca dos acontecimentos da sua vida, e o médico que o assiste, depois de acordar de um estranho coma. O Homem não se lembra quem é, quem amou, o próprio nome, mas recorda tudo o que aprendeu nos livros.

O homem é a personagem principal do Romance “A Misteriosa Chama da Rainha Loana” do Humberto Eco. Um homem, que depois de acordar de um coma, vai reconstruir as suas memórias afectivas perdidas a partir dos livros que leu, construindo a sua libertação.

Lembro-me sempre desta passagem, talvez pela ligação entre a coincidência do dia 25 de Abril de 1945, ser o dia da libertação para os Italianos na Segunda Guerra Mundial, e o dia 25 de Abril de 1974, ser para os Portugueses, o dia da libertação de uma outra ditadura.

Milão, 28 de Abril, Mussolini é morto conjuntamente com a sua amante Clara Petacci e é exposto durante vários dias na Piazza Loreto em Milão, sendo execrado publicamente pelos populares.

Cada vez que passo na Piazza Loreto, é instantâneo, imediatamente vem-me à memória, a imagem do ditador morto e o sentimento de libertação, que imagino ter sido o sentimento na alma da maioria dos italianos naqueles dias.

No meio desta imagem, surge-me uma outra, numa outra cidade: Lisboa, Largo do Carmo, militares e populares, apinhados, empoleirados no centro da praça e igual sentimento de libertação.

Não vivi nenhuma das situações, ambas são memórias construídas, pelo que li, pelo que me contaram em cima das imagens desfocadas a preto e branco, já cobertas do espesso manto de nevoeiro do tempo.



25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner

1 comentário:

Anónimo disse...

Deves ser das poucas bichas deste país que se lembrou que ontem foi um dia muito especial.

Obrigado!

LS