Ontem adormeci no sofá e como em todas as noites em que isto acontece, fiquei lá embrulhado na manta branca de vison sintético. De manhã quando acordei, tinha colada a um dos dedos uma das tuas lentes de contacto diárias descartáveis. Umas das centenas de lentes que tiras dos olhos apenas no último minuto antes de adormeceres e que depois eu vou encontrado pela casa nos sítios mais inusitados e que me levam sempre a perguntar o que fazem elas, ou tu a elas, para conseguirem fugir à fúria de aspirador em riste da empregada. Tal como em quase todos os domingos preguiçosos que aqui passo sem ti, corri para a cozinha, cortei o ananás para o pequeno-almoço, preparei os cereais e fiquei à espera que o café subisse na moka, como se precisasse do barulho do arrulhar do café a subir para me acordar.
Depois choveu e a chuva bateu nas janelas e regou os oito vasos alinhados de plantas gordas, que invariavelmente esqueço de regar. Devem ter ficado felizes, as plantas gordas. Talvez por o teor de humidade ter aumentado, hoje o café cheirou-me mais a café e acho que até os cheiros da casa cheiravam mais aos cheiros da casa. Senti no pijama, que vesti este ano pela primeira vez, o meu cheiro nocturno agarrado, não o tirei e não tomei duche o dia inteiro.
Ontem pela primeira vez este ano, enchi o vaso do Aalto de clementinas, hoje, depois de as ver e lembrar-me que não as irias poder ver, fui ouvir as Goldberg Variations pelo Gould versão de 1981 até à náusea, até a tua ausência física parar de doer-me.
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5 comentários:
Esse texto é lindo. Amei!
Veja agora os vídeos do glen Gould. primeiro a gravação de 1981 em estúdio, e a do concerto de 1964
o dono da lente de contacto é uma pessoa de sorte. tem o que muita gente sonha ter..
Bach é dos meus compositores preferidos.
Cheira a Outono o teu texto... e cheira bem!!!
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