quinta-feira, 19 de março de 2009

Agonisties of the Eternal Wait

Em 1995, estive em Angola integrado numa missão, a formar professores e jornalistas em prevenção do HIV e outras DSTs. Na bagagem levávamos milhares de preservativos para distribuir como rebuçados.

Assim que chegamos, percebemos que as dezenas de caixas de preservativos que levávamos connosco valiam ouro e que à mínima distracção da nossa parte, ou entrega à pessoa errada, imediatamente iriam parar ao mercado negro, onde seriam comprados por quem o pudesse fazer.

Distribuída uma quantidade mínima presencialmente e arriscando o seu desvio, repartimos os caixotes que nos restaram, primeiro pelas ONGs internacionais que se encontravam a trabalhar no terreno, depois pelos médicos dos hospitais e dos centros de saúde, depois pelos professores (poucos) das escolas e por aí fora, guardando dois ou três caixotes para mais alguma organização que não nos tivesse ocorrido.

A três dias de regressarmos à Europa, fomos contactados por um padre que nos pediu preservativos para distribuir pelos seus paroquianos. Nesta parte do relato vou passar à primeira pessoa, uma vez que fui eu que acompanhei o resto do processo.

Munido dos meus preconceitos, achei tudo aquilo estranho, porque todos os outros agentes locais (desde médicos a professores) nos tinham referido, que um dos grandes entraves ao uso do preservativo, para além da escassez dos ditos bem entendido, era a posição da igreja católica.

Muito directamente perguntei ao padre, qual era o seu objectivo, ao que me foi respondido “distribui-los pelos meus paroquianos”.

Perante uma resposta tão directa, apenas consegui perguntar “ E como o pensa fazer?” Ao que ele respondeu. “Dizer que os tenho e dá-los a quem os pedir”

Ok, pensei “deverão ter ido parar tantos ao mercado negro, que mais mil menos mil”. E entreguei uma caixa ao senhor.

No dia seguinte era domingo e nesse dia de manhã ao acordar, lembrei-me repentinamente. Vou assistir a uma missa do padre e ver se ele diz alguma coisa quanto às camisas.

Quando me aproximei da igreja (um exemplar horrendo de feio que por lá deixamos), vejo várias crianças à porta a distribuir a cada adulto um preservativo, “comandados” pelo padre sorridente. Já estão a imaginar a quem deixamos os preservativos que nos sobraram.

As palavras proferidas pela Ratazana que por estes dias visitou Angola, são totalmente assassinas, tão assassinas que para as comentar, apenas me ocorre esta foto e a respectiva descrição do Joel-Peter Witkin.



“ O ímpeto para criar “Agonisties of the Eternal Wait” surgiu após ter lido um relato de uma visão da derrota do Anti-Cristo, de um filósofo Russo do século passado, na qual profetiza o momento da Segunda Vinda de Cristo. A visão começa num mundo de decadência material e secular. Da obscuridade, emerge uma pessoa de grande força e inteligência, cujo objectivo é tornar-se o senhor do mundo. O seu carisma faz com que milhões de pessoas lhe devotem a sua vida e fortunas.

Estabelece o seu reino em Jerusalém (figura feminina do lado esquerdo da imagem). Com o tempo passa a controlar a maior parte da terra. O seu poder é tão grande que exige um encontro com o Papa em Jerusalém. Aí o Imperador, como é conhecido, exige que o seu feiticeiro-chefe (animal com cruz no lado direito da imagem) se torne Papa.

O Papa recusa e o Imperador ordena ao feiticeiro-chefe que mostre o seu poder. O feiticeiro-chefe provoca imediatamente um raio que fulmina o Papa.

Durante sete horas não há luz no mundo. O Papa, que se julga estar em coma ou morto, é levado para o deserto acompanhado por algumas centenas de seguidores. O Imperador, agora seguro do seu poder secular e religioso, viaja por todo o mundo escoltado pelo seu exército pessoal de vários milhões de homens. Toda a gente agora acredita que ele é na verdade o senhor do mundo inteiro, o “Rei dos Reis”. Ao voltar a Jerusalém, o Imperador anuncia aos Judeus que ele é o seu Messias. Muitos Judeus revoltam-se e são brutalmente silenciados mas muitos outros aceitam-no como o Messias. No entanto, tempos depois, descobre-se que o Imperador nunca tinha sido circuncisado. Quando a notícia chega aos Cristãos no deserto, o Papa acorda e incita os fieis Cristãos e Judeus a juntarem-se-lhe para derrotar o Anti-Cristo (figura central).

Os exércitos do Anti-Cristo excedem em número os exércitos dos fieis na proporção de mil para um. Quando os exércitos do Anti-Cristo atacam possuídos por ódio feroz, a Terra abre-se por debaixo deles. Tudo – homens, máquinas de guerra e tortura e o Anti-Cristo são engolidos nas chamas e ouvem-se gritos abafados e depois silenciados à medida que a Terra fecha a sua ferida.

Escolhi usar fetos na construção desta imagem, porque eles, tal como nós, já foram espírito e carne, vivos, dentro de uma mulher. Eles tal como nós estão no mundo para aceitar ou rejeitar o Divino – a espera pelo tempo da vida. Nós acreditamos no vazio da não existência do antes ou do sempre. Aqueles acreditam que o Ungido, anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, o Cristo, encarnou para acabar com o pecado da carne. A sua primeira ferida, o primeiro derrame de sangue foi a dor desfiguradora da Circuncisão, esse acto físico e transcendente que foi o começo da Redenção final – a agonia na cruz. “


Joel-Peter Witkin
Dezembro, 1990

O tríptico de Witkin foi realizado em parte em Coimbra, com fetos pertencentes ao Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e foi pela primeira vez apresentado ao público em 1991 no Edifício das Caldeiras, inserido na exposição “O Coração da Ciência – 700 anos da universidade de Coimbra” organizada pelo Centro Estudos de Fotografia.

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