quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Lisboa - Istambul
“… Na maior parte das vezes, tal como acontece com a nossa vida, captamos o significado da nossa cidade através do que nos contam os outros … “
Orhan Pamuk, Istambul – Memórias de uma Cidade
Há certos livros que para além de nunca mais esquecermos, conseguem a proeza de fazer-nos sentir, que o escritor está a escrever o livro em directo e directamente para nós.
Quando temos a sorte de encontrar um livro assim, apesar de racionalmente sabermos que o livro antes de nos ter chegado mãos, passou pelas mãos de revisores, editores e outras tantas pessoas e ter sido escrito, na maior parte das vezes, muitos anos antes, no momento em que o lemos não conseguimos deixar de sentir, que o escritor que criamos na nossa cabeça, está a escrever o livro naquele momento, especialmente para nós.
Ítalo Calvino, no “Se numa Noite de Inverno um Viajante” brinca com isto, mais com a identificação do leitor ao escritor, mais com a imagem que o leitor cria do escritor, mais com as diferenças entre o leitor que escreve e o escritor que o leitor imagina que escreveu o livro e mais uma outra série de muitas outras coisas, mas que não são as coisas sobre as quais me apetece agora discorrer, porque neste post, apenas pretendo tentar transmitir-vos, como o Istambul – Memórias de uma Cidade, do Orhan Pamuk é para mim um livro genial.
“… toda e qualquer palavra relativa às qualidades gerais, ao espírito ou à singularidade de uma cidade transforma-se em discurso indirecto sobre a nossa própria vida, e mesmo sobre o nosso próprio estado mental. Não há outro centro da cidade a não ser nós mesmos. …”
Esta passagem ilustra o que é o livro Istambul – Memórias de uma Cidade, as memórias pessoais do escritor Orhan Pamuk, contadas através das vivências com a sua cidade que é Istambul, por isso mesmo, mais que um livro sobre uma cidade, mais que um livro de memórias, é um livro sobre a inter relação Homem - Cidade.
Não conheço Istambul, mas mesmo antes de ter lido este livro, sempre pensei, sem que sobre isso me tivesse debruçado muito, que haveria um paralelo enorme entre Lisboa e Istambul.
Talvez pelo rio que é um mar, talvez pelas colinas de casario que descem para o rio, talvez pelos barcos repletos de pessoas, talvez pela beleza da fealdade e do caos, talvez pelos prédios decréptidos de Lisboa e que imagino que Istambul também tenha, talvez pela sensação de cidade parada no tempo.
Para Pamuck a cidade actual de Istambul é o que resta de um grande império que já não existe, das suas ruínas, e da imensa melancolia dos seus habitantes. É ainda uma cidade que sabe, já não ser o centro de coisa nenhuma.
Ao longo da leitura deste livro, bastou-me substituir a palavra Istambul pela palavra Lisboa, para julgar que a cidade sobre a qual Pamuck escrevia era Lisboa, e que Pamuck, não escrevia as suas memórias, mas as minhas memórias de Lisboa.
“ ... as pequenas mercearias obscurecidas pela inacção e pelo pó, os cafés de bairro cheios de desempregados acabrunhados, os passeios sujos, tortos e esventrados, os cipreste mais negros que o petróleo, os velhos cemitérios espalhados pelas colinas, as muralhas em ruínas da cidade semelhantes a ruas calcetadas erguidas na vertical, as entradas dos cinemas que, de há uns tempos a esta parte têm tendência a parecer-se todos uns com os outros, as lojas de muhallebeci, os ardinas nos passeios, as ruas onde os bêbados vagueiam à noite, os candeeiros mortiços, os barcos das linhas urbanas que sobem e descem o Bósforo … esse sentimento de derrota, de perda, de tristeza que Istambul herdara na sequência da queda do Império Otomano tinha acabado por nos afectar também… “
Pamuk, Orhan (2008). Istambul – Memórias de uma Cidade. Editorial Presença.
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1 comentário:
Olá PGFV!!!!
Tens que me emprestar o livro, fiquei com vontade de lê-lo.....
LS
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