quarta-feira, 19 de março de 2008

Identidades Assassinas - Amin Maalouf






Levantei-me hoje de manhã a recordar-me de algumas passagens de um livro maravilhoso, “As identidades Assassinas" do Amin Maalouf (1998).

Neste livro, Amin Maalouf escreve "…Por facilidade, englobamos as pessoas mais diversas no mesmo vocábulo; por facilidade também, atribuímos-lhe crimes, actos colectivos, opiniões colectivas - "Os sérvios massacraram…" os ingleses destruíram…", "os judeus confiscaram…", "os negros incendiaram…", "os árabes recusaram…". Emitimos friamente juízos sobre esta ou aquela população que consideramos "trabalhadora", "hábil" ou "preguiçosa", "susceptível, "manhosa", "orgulhosa" ou "obstinada", juízos que terminam muitas vezes em sangue.

Sei que não é irrealista esperar de todos os nossos contemporâneos que modifiquem de um dia para o outro os seus hábitos de expressão. Mas parece-me importante que cada um de nós tome consciência do facto de que as nossas palavras não são inocentes e de que as mesmas contribuem para perpetuar preconceitos que demonstraram ser, ao longo da História, perversos e assassinos ... "
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Porque se é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar." p.p.30-31, Edição da Difel

Aos exemplos do Amin Maalouf eu acrescentaria:

Por facilidade, englobamos erroneamente as pessoas mais diversas e diferentes no mesmo vocábulo de homossexuais. Por facilidade também, atribuímos-lhe comportamentos colectivos, actos colectivos, opiniões colectivas, características colectivas – "Os Homossexuais foram responsáveis pela transmissão do HIV", "os Homossexuais praticam barebacking", "os homossexuais são promíscuos", "os homossexuais estabelecem menos relações afectivas duradouras que os heterossexuais", "os homossexuais são efeminados", "os homossexuais são hiper masculinizados", "os homossexuais são fashion victims", "os homossexuais …" quer acrescentar mais? Será fácil preencher páginas e páginas, não?

Continuando a brincar com o texto do Amin Maalouf, a este “roubaria” literalmente o parágrafo seguinte, para o aplicar a todas as expressões, que ainda hoje de forma injuriosa, diariamente, heterossexuais arremessam aos homossexuais e homossexuais arremessam a sim mesmos.

“Sei que não é irrealista esperar de todos os nossos contemporâneos que modifiquem de um dia para o outro os seus hábitos de expressão. Mas parece-me importante que cada um de nós tome consciência do facto de que as nossas palavras não são inocentes e de que as mesmas contribuem para perpetuar preconceitos que demonstraram ser, ao longo da História, perversos e assassinos.”

Estou a pensar nas expressões, que todos os dias, são utilizadas nas anedotas a respeito dos homossexuais, nos discursos acerca dos homossexuais, nas conversas comuns acerca dos homossexuais e que algumas, tais como “gay”, só não continuaram com a sua carga “assassina”, porque os próprios homossexuais lhe a retiraram, porque tal como escreveu Amin Maalouf “Porque se é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar."

Lembre-se disso da próxima vez que lhe chamarem, paneleiro, panasca, maricas, bicha e tudo isso mais, que com toda a certeza um dia já lhe chamaram.

Pense nisso da próxima vez, que você mesmo, homossexual, utilizar pejorativamente alguma dessa expressões, para designar outro homossexual como você.

Lembre-se disso da próxima vez, que você mesmo, conseguir ter a coragem de afirmar orgulhosamente “sou gay” ou “sou homossexual” ou “sou bixa”, porque mais uma vez, obrigado Amin Maalouf, “ se é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar." E, acrescentaria eu, de nos libertar, porque se as nossas palavras não são inocentes e, contribuem para perpetuar preconceitos, o significado e o valor das palavras não é imutável e é através das palavras que combatemos e destruímos preconceitos assassinos.

Perante o insulto que provavelmente já lhe dirigiram de: "Sua bicha", quantas vezes já respondeu?

"Sim sou BIXA com muito orgulho"?

parto-me sempre a rir, quando leio em certos profiles do gaydar, ou de outros sites do género, coisas como estas: “gosto de homens, não gosto de bichas”. “bichas afastem-se” “bichas nem vale a pena chegarem perto”.

Sim que são cabecinhas cheias de homofobia internalizada, já todos sabemos, mas o que me leva a rir para não chorar, é ver ali escarrapachado, escarrachapadinho, aquilo que Pierre Bourdieu diz no seu livro “La Domination Masculine”. Para Bourdieu, em algumas situações, o indivíduo pertencente ao grupo dominado (agora diríamos discriminado), interiorizou de tal forma as regras de dominação que o grupo dominante lhe impôs (agora diríamos os preconceitos e estereótipos que os grupo discriminante impõe ao grupo descriminado), que é ele próprio, que mantém socialmente as regras de dominação, sancionando e punindo os seus pares (iguais) que contra as regras de dominação se insurgem.

Que melhor manutenção da discriminação existe, quando um homossexual, ou seja um indivíduo que vai para a cama com pessoas do mesmo sexo, não é capaz de se insurgir, nem ter “tomates” para reagir contra as injúrias que a sociedade lhe lança enquanto homossexual, mas ele próprio, tal como os outros a si lhe fazem, injúria indivíduos, que objectivamente a si são semelhantes, no que á orientação sexual diz respeito.

Para além das bacoradas em alguns profiles do gaydar, igualmente rio para não chorar, quando ouço alguns homossexuais dizerem, que não vão a paradas gay, porque estas são apenas um desfile de exibicionistas, para não dizer outras coisas piores.

Eu diria antes, que o que lhes falta são TOMATES, porque se os tivesse no sítio, iam e tornavam a ir, porque não tinham medo de ser vistos ao lado fosse de quem fosse.

Pronto, hoje deu-me para aqui! Deve ser por estarmos na semana santa.

2 comentários:

Anónimo disse...

António,

excelente este post. Eu também acredito que a pior homofobia é a internalizada. Já abordamos isso na DOM #1 (coluna 'Psiquè', do Julio Moreno). Mas acredito que, infelizmente, ainda vamos ter que falar sobre isso diversas vezes. Seu texto está, como sempre, muito palatável, gostoso de ler. Parabéns! Abs, Augusto

Anónimo disse...

Concordo e então em Portugal, até parece que os gay são os mais preconceituosos. quando estão em portugal são uma coisa, moralistas, conservadores e até têm medo que o espelho da casa de banho deles saiba que são gays, basta porem o pé fora de portugal e já ali em Madrid, passam a vida de joelhos a fazer broches nas saunas e no clubes de sexo. É assim Portugal. Viva Portugal!!!!