terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Ainda acerca de Milk



Bom há por aí milhentas críticas todas elas escritas por centenas de pessoas que sobre cinema sabem escrever muito melhor que eu, e por isto, não é sobre as qualidades do filme que me apetece verborrear, mas acerca da importância que o filme poderá ter junto dos gay.

Antes da verborreia propriamente dita, começo já por avisar que para além de Milk enquanto objecto estritamente cinematográfico ter entrado para o grupo dos filmes mais interessantes que vi nos últimos tempos, o Gus Van Sant, é um dos meus realizadores vivos preferidos, resultado de na minha galeria de filmes de culto, dele constarem pelo menos um par deles.

Feito o aviso, vamos lá enumerar porque é que acho que todas as bixas deverão ver Milk pelo menos três vezes.

Para começar, vou pegar em Brokeback Mountain, enquanto um dos últimos produtos hollywoodesco mais mediático de temática gay. Se Brokeback Mountain é indiscutivelmente um filme belo enquanto objecto cinematográfico, não deixa de ser um filme profundamente pessimista e este pessimismo será tanto mais sentido, quanto maior identificação com uma orientação gay o espectador tiver. Brokeback Mountain é um filme sem saída, um filme acerca da impossibilidade de amar, acerca da vida ser fodida como o caraças e podermos ser tudo menos felizes.

Milk é exactamente o contrário. É um filme político, feito por um realizador assumidamente gay, escrito por um argumentista assumidamente gay, que sabem e sentem, o que é um gay sentir que tem o direito de ser feliz e que sabem e sentem que só conseguirão ser felizes se para isso fizerem alguma coisa, já que os outros pouco farão. Lance Black o argumentista, é oriundo de uma família mórmon e sendo assumidamente gay, já afirmou publicamente que o local onde cresceu não foi propriamente o ambiente mais aprazível para um gay.

Milk fala de homofobia e fala muito, mas igualmente não faz concessões aos gays atulhados de homofobia internalizada. Harvey Milk é um gajo “normal” com todas as anormalidades das “pessoas normais” e neste ponto, a responsabilidade não é apenas de Gus Van Sant e Lance Black (ambos nomeados para os Óscares, respectivamente como melhor realizador e melhor argumento original) mas do incrível desempenho de Sean Penn, igualmente nomeado para a categoria de melhor actor principal.

Não perceberam? Eu explico! Harvey Milk, o mártir gay, é retratado como um homem, um “homem normal”, com o seu lado masculino e como o seu lado feminino. Sim alguns trejeitos efeminados, próprios de gays e próprios de heteros, por muito que custe a muitos, também lá estão. Um homem que ganha e um homem que perde e, um homem que acredita, mas que também tem momentos de desânimo, um homem, que como todos os outros, tem uma necessidade imensa de se amar e de se sentir amado.

A maioria de nós gay, cresceu sob ensinamentos, ou melhor da imposição de que o que sentimos e desejamos é errado, é pecado, é aberração, é recriminável é essas coisas todas e mais algumas, que todos nós um dia já sentimos e ainda continuamos a sentir.

Olhar para o espelho dentro de nós e sentir verdadeiramente que nada disto é verdade e que o que sentimos e desejamos é tão válido, correcto e ético, como o que os que os heterossexuais sentem, é um processo interno próprio, resultado do diálogo interno que só cada um de nós poderá ter consigo mesmo. Há quem o faça com solavancos e o filme está cheio de exemplos, que vão do próprio Harvey Milk ao rapaz na cadeira de rodas e há quem nunca o consiga fazer, porque até da própria sombra tenha medo.

Milk é um filme com a acção situada algures na década de 70, mas é um filme que fala dos dias de hoje. A Proposition 6, remete directamente para a Proposition 8, mais todas as lutas que hoje se travam relativamente ao acesso ao casamento civil e outros direitos humanos, fala da importância dos desarmariamentos e da importância na participação nas paradas gay e na importância de podermos expressar publicamente o afecto à pessoa que amamos e na importância de nos orgulharmos incondicionalmente daquilo que somos, mesmo quando os outros dizem que o mal é precisamente aquilo que somos.

Leve lenços de papel para a parte final e se chorar não se envergonhe e agradeça a si mesmo ter chorado, nem que seja porque os homens também choram.

9 comentários:

Lindinalva Zborowska disse...

http://www.sendspace.com/file/pvkrzk
set do lira, deixaram lá na área de serviço.
bj e aproveite a rebolation

Luis Royal disse...

podemos estragar tudo (para quem ainda não viu) e dizer que: o tiro na mão é maravilhoso mas a tosca no outro lado da rua é demasiado.
tudo o resto: nada a acrescentar.
van sant faz-nos mais felizes, mas gerry continua no top dos mais bonitos de sempre.

poor guy fashion victim disse...

Eu gostei do burlesco da Tosca.
Não sei se Harvey Milk na realidade gostava mesmo ou não de ópera, mas gostei imenso de neste Milk o terem posto a gostar.
À época S.F. uma cidade pouco cosmopolita tinha a sua vida social, de um certo grupo social, organizado em torno da ida à ópera e da temporada de ópera ( Armistead Maupin no Tales of the City ilustra isso de forma extremamente engraçada).
O “acesso” do Harvey Milk à ópera (frequentada por essa tal sociedade) tem um carácter simbólico delicioso.
Para além disto, gostei imenso da forma como o filme brinca com todos os estereótipos, entre os quais, o gay dos anos 70 que gosta de ouvir ópera. A Tosca, cantada por uma cantora grotescamente gorda e anafada a roçar o burlesco que se suicida atirando-se da torre do castelo, pareceu-me uma metáfora deliciosa da tal sociedade de S.F.
Depois há ainda o piscar de olho à cena (com outro tipo de patético) de outro mártir cinéfilo Tom Hanks em Philadelfia (que se goste ou não do filme, foi muito importante à sua época) agarrado à garrafa de soro e a fazer uma espécie de Karaoke sobre a voz da Callas da ária La Mamma Morta da Andrea Chénier.

Gerry é fabulástico

Anónimo disse...

Adorei quando referes que as bixas tugas devem ir ver o filme pelo menos 3 vezes ;))

Vamos ver o que é que as intelectualoides tugas de trazer por casa, que conhecem muito bem toda a obra do realizador e sabem sempre todas as nomeações para os ócares e que são muito out na cinemateca, mas que nunca meteram o pé numa marcha em lisboa, vão dizer.

Incluindo os actorzecos e encenadorzecos bicha até à medula.

Continua assim ;)

Luis Royal disse...

caro pgfv,
subscrevemos inteiramente. não sabemos se é simbólico ou real o seu gosto pela ópera, mas é maravilhosa a ideia de "eu quero ser uma pessoa como as outras" quando o vemos no camarote rodeado por desconhecidos.
o exagero é só mesmo a cena da morte com a tosca em fundo: tirou a carga toda que o sean penn começou por dar com o 1º tiro (que até nos dói).
bem haja.

Anónimo disse...

Preposition 8?
PrOposition!


Migas, Porto

poor guy fashion victim disse...

Tem toda a razão, obrigado pela correcção :)

Aequillibrium disse...

Foi um regresso ao cinema. Havia meses que não conseguia ir.

Foi um bom regresso.
;)

Anónimo disse...

que maravilhoso filme. que maravilhoso actor. que maravilhoso personagem (ao contrário de outros, ser filmado a rir com comida na boca (seria bolo-rei?)ainda o aproxima mais de nós...). que maravilhosa - e infelizmente ainda muito necessária - causa. vim logo ao teu blogue no fim, só porque sim. Um abraço amigo, amigo! Tózé (gonzalez)
PS: o brokeback mountain é "oferecido" por euro e pouco no público do próximo sábado