quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Window Shopping - Madrid





Madrid, 30-12-2008

Sempre fui demasiado e perdidamente viciado nos objectos que gosto, para conseguir ter um fake. Só colocar a hipótese de possuir a imitação de uma peça que amo, desperta em mim sentimentos de culpa e traição avassaladores. Na verdade, e muito sinceramente, para além da impossibilidade financeira de não poder possuir todos os objectos que gosto, não sinto a necessidade da sua posse. Para a maior parte dos objectos que gosto, as minhas necessidades ficam satisfeitas, pelo o simples facto de eu saber que existem.


Num dos filmes da minha vida “Todo Sobre Mi Madre” a data altura uma das personagens, a Agrado, deslumbrantemente vestida num tailleur, comenta para a Manuela, que não há como um tailleur Chanel para uma mulher ser respeitada, ao que a Manuela lhe pergunta com espanto, se o tailleur é verdadeiro. E a pronta resposta é: “achas que com tanta gente a morrer de fome no mundo eu ia gastar um milhão de pesetas? A única coisa autêntica que tenho são os sentimentos”

Esta frase marcou-me de tal forma, que senti que tinha que ter alguma coisa fake. Então para conseguir lidar com os meus sentimentos de traição, que só a simples ideia de fake me provoca, comecei a planear a minha primeira compra de um objecto fake. Decidi então que o meu primeiro objecto fake teria que ser assumidamente fake, para ser autenticamente fake.

Não estão a perceber? Eu explico. A maior parte das pessoas quando compra um objecto fake, fá-lo para que este aos olhos dos outros pareça autêntico. O meu objecto fake não poderia ser assim, mas teria que ser visível e descaradamente fake. De tal forma fake, que toda a gente imediatamente percebesse, que era do mais fake possível e, percebesse ainda, que incluindo eu, sabia que eles sabiam, que o meu objecto era fake.

Definida esta estratégia deixei de sentir ansiedade e culpa, sempre que à memória me vinham as palavras da Agrado.

Um dia em Florença, deparei-me com os mais maravilhosos objectos fake, que alguma vez vi em toda a minha vida. Cintos padrão Gucci em laranja eléctrico, bonés padrão Gucci em azul turquesa, cintos padrão Gucci que não eram padrão Gucci, ou seja não com o duplo G, mas com o DG, coisa que até à data, nem sequer a dupla de divorciadas tinha ainda sequer pensado.

Meus Deus, aquilo era a caverna do Ali Babá e ali estavam os objectos fake dos meus sonhos, em tal quantidade e variedade, como eu jamais alguma vez teria sonhado.

Identificada a peça mais autenticamente fake de todas, comecei o processo de negociação, mas eis que chega a policia e os vendedores imediatamente tudo recolheram e em segundos desapareceram, deixando-me ali desamparado, como uma criança que vê fugir um maravilhoso brinquedo que esteve prestes a ser seu.

O meu mais que tudo, que desde sempre fora contra a ideia daquele maravilhoso cinto cor de laranja, resultado do cruzamento de um Gucci com um DG, reforçou o discurso de dissuasão da maluca compra, dizendo-me pela decima vez, que a policia tanto multa o vendedor como o comprador, e que na rua ao lado havia uma Gucci, e que por um pouco mais eu poderia comprar um novo cinto Gucci que usaria anos e anos e que no final, se eu dividisse o valor de um verdadeiro Gucci, pelo número de vezes que o iria usar, este ficaria infinitamente mais barato, que aquele horrendo e medonho (medonho para ele, porque para mim era maravilhoso) cinto laranja Fake.

Na esquina da rua seguinte, deparo novamente com os vendedores e os seus objectos mágicos estendidos no chão. Corro para eles, tento identificar em que lote se encontra o meu cinto laranja e desespero dos desesperos, não o encontro. O vendedor tenta impingir-me um boné, depois outro cinto, mas eu quero o meu cinto laranja híbrido resultado do cruzamento de um DG com o Gucci. Novamente a policia aparece e novamente eu vejo desvanecer-se o sonho de possuir um maravilhoso e autêntico objecto fake.

Ainda dei mais umas voltas ao quarteirão, mas os vendedores tinham desaparecido completamente.

Algum tempo mais tarde, encontrei a solução. Comprei algumas coisas verdadeiras mas que parecem fake. Óculos D&G verdadeiros horríveis de pirosos que imitam os Ray Ban, T, Shirts com logos garrafais da marca de gosto mais que duvidoso e por aí fora.

Desde alguns anos para cá, identificar peças assim tem sido tarefa fácil, porque as próprias marcas começaram a plagiar-se a si mesmas, quer numa linha mais hard e kitsch como por exemplo a DG, a Louis Vuitton, ou a Gucci, até uma linha mais irónica e subtil como a Prada ou o Marc Jacobs.

Nos dias em que me sinto mais idiotamente feliz, adoro escolher as minhas melhores peças de gosto mais que duvidoso e sair para a rua em versão caricatura de mim mesmo e, confesso que já tenho chegado a manipular situações, em que levo alguém a perguntar-me se determinada peça é mesmo verdadeira, ao que prontamente eu adoro responder: “claro que não, a única coisa verdadeira que tenho são os sentimentos”.

2 comentários:

Luis Royal disse...

temos um rolex comprado nas mesmíssimas condições: em florença, perto do duomo.
foi um vaipe que nos deu.
ainda hoje o conservamos como memória de uma belíssima viagem. o rolex já não dá horas, mas as memórias dá sempre. são os sentimentos.
obrigado por isto.

Anónimo disse...

Querido António,

Esta mensagem é só para te felicitarmos pelo teu blog onde tropeçámos quase por acaso. Conseguiste fazê-lo infinitamente gay, inteligentemente fútil e genuinamente cosmopolita sem precisares de ser pedante ou artificial, nem o tornares num banal show porno.

Continua. Já tens "dois mais um" leitores fidelizados :)

Abraços

A&J e J