Encontrei em todos os discursos que ouvi das criaturas que se pronunciaram negativamente ao casamento gay, uma total falta de racionalidade, uma total falta de lógica e consistência argumentativa, que cheguei a pensar que os seus autores, fossem totalmente desprovidos de racionalidade.
O chorrilho de disparates foi de tal ordem, que ouvi falar deste poligamia, a zoofilia, incesto e por aí fora.
No entanto, se pensar na coisa à séria nem sei porque é que não deveria ter sido assim, não sei porque é que o nível de argumentação dos que se posicionaram contra, deveria ter tido um grau mais elevado.
O que marca uma fobia, qualquer fobia, é o medo irracional que o indivíduo sente pelo objecto fóbico, medo este que ao despoletar uma ansiedade intensa, vai impedir o indivíduo de desenvolver qualquer pensamento racional sobre a realidade.
O agorafóbico sabe racionalmente, que no meio de uma praça vazia ou no meio de uma multidão, o mal sem forma que lhe pode acontecer, é exactamente igual ao mal que pode acontecer a qualquer outro indivíduo, mas mesmo assim, só a simples ideia de se poder encontrar no meio de uma multidão, ou numa rua deserta, é capaz de lhe despoletar uma ansiedade de tal forma intensa, que o pode levar a ter uma crise de pânico.
O individuo com fobia a aranhas, por mais que saiba que os inofensivos aracnídeos que por aqui se podem encontrar, são tão inofensivos quanto as formigas, não conseguirá deixar escapar um grito estridente seguido de fuga, sempre que vislumbrar uma pobre aranha, mesmo que esta aranha, seja de celulóide ou de papel.
O individuo com fobia a andar de avião, mesmo que saiba que uma viagem de avião é estatisticamente muito mais segura, que uma simples viagem de carro para o escritório, não conseguirá deixar de ser acometido por uma sensação de morte eminente, seguida de uma crise de pânico, sempre que tentar entrar num avião.
E poderia continuar com uma lista enorme de fobias, que em todas elas encontraria sempre o mesmo, a incapacidade que o individuo que sofre de fobias tem, em controlar os seus medos irracionais, apesar das experiências das suas vivências passadas, em tudo indicarem que nenhum perigo real daí lhe pode advir.
Num fóbico, a fonte da sua ansiedade, não é o contacto com o objecto fóbico, mas o medo que ele tem de ter medo, e que é sempre baseado nas suas crenças irracionais, crenças estas que diminuem a sua capacidade de avaliação da realidade.
A homofobia, como qualquer outra fobia é isso mesmo, um medo irracional da homossexualidade e dos homossexuais, capaz de toldar todo e qualquer pensamento racional sobre a temática.
E assim temos as mais variadas formas e graus de homofobia e que vão desde a totalmente disfuncional homofobia caracterizada por agressões verbais (injúria) e físicas, expulsão dos filhos de casa , verdadeiros quadros psicopatológicos, até à homofobia mais disfarçada, menos primária, mas não menos disfuncional ao nível da capacidade lógico dedutiva do pensamento.
Racionalmente todos sabemos, ou deveríamos saber, que tolerar é uma coisa e que reconhecer como igual é outra.
Toleramos aquilo que não podemos eliminar, que sabemos já não nos ser possível recusar, seja por razões sociais, seja por razões até de educação. Mas será que ao tolerar estamos a reconhecer aos outros os mesmos direitos que queremos para nós?
De todo que não. Toleramos porque tem que ser, toleramos porque não nos fica bem não aceitar, toleramos porque simplesmente sabemos que não podemos recusar e que por isso não vale a pena gastarmos as nossas energias, numa guerra de recusa que iria ser perdida à partida.
Com o avanço do direitos humanos e com a homossexualidade a entrar na esfera desses direitos, os homofóbicos menos primários e cientes da disfuncionalidade que é esmurrar ou banir o primeiro homossexual que lhes aparece na frente, tiveram a necessidade de adaptar a sua fobia a níveis menos disfuncionais da realidade.
O primeiro mecanismo que os fóbicos desenvolvem para lidar com as suas fobias, é começar por evitar o contacto com todas as situações potencialmente ameaçadoras. O agorafóbico passará a evitar primeiro os grandes espaços, depois as ruas maiores, depois deixará de conseguir andar de autocarro e se não recorrer a tratamento, nos estados mais agudos deste distúrbio de personalidade, acabará por ser incapaz de sair de casa.
Se analisarmos a história da homossexualidade, acabamos igualmente por identificar as estratégias de evitamento, que os homófobicos têm desenvolvido, à medida que a homossexualidade passou a ser vista não como uma doença mas como uma orientação sexual, tão válida como a orientação heterossexual.
Um dos mecanismos de evitamento foi passar a vincular a ideia de que a vida privada não pode ser a origem dos direitos individuais. Assim, passou-se a tolerar a homossexualidade, enquanto escolha ou uma opção, tal como a religião, a orientação politica, ou o clube de futebol, mas nunca como algo que possa ser institucionalizado socialmente e isto, porque no fundo no fundo, o que todos os discursos de tolerância e pseudo respeito dizem, é que só a heterossexualidade pode ser institucionalizada (e o casamento é uma institucionalização da heterossexualidade), porque só a heterossexualidade é o modelo a seguir, o modelo que realmente é valorado, e a homossexualidade, apenas algo que deve ser escondido e camuflado.
Todos os argumentos que ouvi aos que defenderam que o casamento civil é uma instituição heterosexual, “não conspurcável” por gays, foram isto mesmo, a falsa tolerância e não reconhecimento enquanto igual.
Os argumentos do PS, além desta homofobia liberal, foram um verdadeiro caso clínico ilustrativo de estratégias de evitamento.
Querem fazer a lista?
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4 comentários:
Querem melhor argumento do que este texto? Está um arraso, dificilmente eu conseguiria exprimir-me melhor.
Parabéns, gostei.
Só duas observações para abalar um pouco as suas certezas:
1. Quem se oponha ao casamento tradicional, hetero, é necessáriamente heterofóbico?
2. Fingir que o diferente é igual constitui uma de irracionalidade e uma mistificação. Tolerar as diferenças, apesar de as conhecer, é precisamente uma prova de civilização e de humanismo.
Bom fim de semana
1. Há muito muito tempo que o casamento deixou de ser uma instituição tradicional. Vá, deixemo-nos de rodeios: legalmente, o casamento não tem vínculo à religião há muitas décadas. O casamento é um contrato social e para com o Estado [ponto]. Se os heterossexuais podem assiná-lo, porque é que os homossexuais não podem?
Ou não será que são os heterossexuais com homofobia (ou mesmo os homossexuais com homofobia internalizada) que usam a instituição casamento como arma de arremesso contra o dogma da orientação sexual (será que acreditam mesmo no lema da superioridade relativa a esse ponto?)?
2. Não se trata de tolerar (tolerar é para os "coitadinhos", os que não têm "remédio"...), trata-se de aceitar.
Não se trata de "fingir que o diferente é igual". Pelo contrário, a homofobia é precisamente isso: é não reconhecer o outro enquanto indivíduo e não reconhecer ou negar a sua identidade. Trata-se de reconhecer essa diferença (e diferença não tem que ser sinónimo de "desnível") e de equipará-la, de pô-la em paridade com os demais.
Isso sim, é humanismo.
Bom fim-de-semana! :)
Caro F. Penim Redondo,
1) por fobia entende-se medo irracional por qualquer objecto ou situação.Coloca pois a hipótese Se quem for contra o casamento heterosexual possa ser heterofóbico.Se para alguém as práticas heterossexuais forem encaradas como menos válidas socialmente, psicologicamente e todos os outros "ente" que todas as outras práticas sexuais e com base nesta crença (individual diga-se) achar que os heterossexuais enquanto cidadãos não têm os mesmos direitos que os outros cidadãos, então talvez a resposta à sua questão possa ser sim. Estamos no campo da ficção ciêntifica e psicossocial certo?
2)"Fingir que o diferente é igual" e perdoe-me que lhe diga mas aqui reside a sua grande mistificação. A crença de que as relacções entre duas pessoas (heterossexuais bem visto) têm uma norma, um modelo, imutável e coerente.Oh homem, e perdoe-me de o tratar assim, mas em que mundo dos afectos anda mergulhado o senhor? Acredita mesmo nisso?
Para a última parte da sua segunda questão. Eu enquanto homossexual, não quero ser tolerado! não pretendo minimamente ser tolerado, aliás acho o conceito de tolerância, totalmente hipócrita. Enquanto cidadão, apenas exijo, e friso exijo, ser respeitado e ter os mesmos direitos enquanto cidadão que qualquer outro cidadão tem, porque como qualquer outro pago os meus impostos, tenho direito à mesma dignidade e sou igual e friso IGUAL, perante a lei. Se me toleram ou não, olhe sinceramente estou literalmente a borrifar-me, é um problema do outro, não meu.
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