quinta-feira, 24 de julho de 2008

Lisboa


Tive até à pouco tempo com Lisboa uma relação difícil, como a de um casal que ainda se ama, mas que deixou a rotina corroer a relação.


No passado zangávamo-nos e brigávamos muitas vezes, depois, tal como um casal que já partilha muitas coisas, boas e más, ancoramo-nos às memórias das coisas que amamos e passamos a deixar correr os pequenos quotidianos dentro dos dias.


Há casais que vivem assim a vida inteira, a deixar correr os dias, quase como estranhos e que apenas conseguem suportar-se um ao outro, porque se ancoraram às memórias do passado, memórias construídas no tempo da paixão. Conseguem viver assim anos inteiros e tudo corre bem até ao final dos dias.

Nos casos em que assim não acontece e as coisas correm mal, é quase sempre porque um deles um dia, não porque se tenha fartado, a fase do estar farto já passou há muito, mas porque encontra uma outra pessoa e é na perspectiva de uma nova relação, capaz de novo trazer-lhe a esperança de vir a ser capaz de sentir-se vivo, que o fim da relação se dá.


Comigo e com Lisboa, esteve quase quase para ter sido assim, e só não o foi, porque Lisboa é muito esperta e, em vez de ter feito o papel de abandonada e de traída, ofereceu-se toda ao outro. Isso mesmo, entrou na minha nova relação comigo e com o outro. Digo o outro porque a outra cidade de que falo, Milão, é muito mais masculina que feminina.


Pois é, para além de não ter feito a mínima cena de ciúmes de mulher traída, ainda por cima com uma cidade que é muito mais um gajo que uma gaja, com o seu ar provinciano e parado no tempo, seduziu o outro e fez com que andássemos todos enrolados.


Eu às vezes sou injusto e esqueço-me dela, sou assim tipo o homem enrrustido armariado, que sai do trabalho e vai pintar a manta para a sauna, e quando chega a casa, senta-se frente ao televisor a beber cerveja a ver futebol e arrotar e nem repara que a mulher mudou de penteado e que está cada vez mais loira (acho que a primeira coisa que as mulheres que são abandonadas fazem é ficar loiras).


Às vezes Lisboa irrita-me tanto, que penso que só ainda a consigo aturar, porque não é ciumenta e me dá toda a liberdade do mundo, mas a verdade, é que se olhar bem no fundo, mesmo que dela me afaste, o espaço de paixão partilhada continua lá intocável e basta ela acordar envolta num terno nevoeiro numa manhã de verão, para sentir-me novamente perdidamente apaixonado. Depois, já aprendi, que para não estragar as coisas, tenho que partir e afastar-me dela por uns dias.


Para terminar, do al berto. Sempre do al berto, do último livro, o “ horto do Incêndio”.

lisboa(1)

por trás dos muros da cidade

no seu coração profundo de alicerces

de argilas e de sísmicos arroios - cresce uma voz

que sobe e fende a brandura das casas

.

da escrita dos inumeráveis povos quase

nada resta - deitas-te exausto na lâmina da lua

sem saberes que o tejo te corrói e te suprime

de todas as idades da europa

.

mais além - para os lados do corpo - permanece

a tosse dos cacilheiros os olhos revirados

dos mendigos - o tecto onde um navio

nos separa de uma vácuo alimentado a soro

.

plátanos brancos recortam-se luminescentes no olhar

de quem nos olha contra um céu desesperado - jardim

de íris açucenas palmeira cobertas de rocio e

a ponte que nos leva aos campos do sul - lisboa

.

lugar derradeiro do riso

que já não te pode salvar do cemitério dos prazeres

.

e morres

carregado de tristezas e de mistérios - morres

algures

sentado numa praceta de bairro - o olhar fixo

no inferno marítimo das aves

al berto

2 comentários:

Anónimo disse...

bonito o poema, mas cá para mim está é tão farto desta merda de cidade que é Lisboa quanto eu.

Pelos vistos está de partida para férias. Boa viagem e não leve S.A.U.D.A.D.E.S que não há razão para isso

Anónimo disse...

ó menino, CHONA como é, desculpe achar isto, mas só trichona pode ter um blog como este, se vai para Milão fique por lá e não volte.
Chonas nesta terra, não medram nem flrorescem.