sábado, 10 de maio de 2008

PINA BAUSCH

A Pina Bausch é a única mulher que me faz chorar na vida.

Ontem no CCB enquanto assisti a Masurca Fogo, tal qual como na maior parte das vezes a que assisti a um peça de Pina Bausch, chorei baba e ranho, que nem uma menina adolescente apaixonada (pronto desculpem o toque de machismo primário, mas é só para figura de estilo).

Chorei quando vi o Café Muller quando a Pina Bausch veio à Gulbenkian, e o Almodôvar ainda não tinha usado esta peça no Habla con Ella e posto um homem lindo a chorar na plateia.Chorei e ri, porque se choro em quase todos os espectáculos das Pina, também rio-o muito, quando vi Kontakthof, também na Gulbenkian, e chorei e ri nas quase mais de 10 peças que já vi dela.

Excerto Café Muller


Apenas não chorei numa peça de Pina Bausch, porque a detestei e sai da sala irritado, furibundo, e profundamente zangado, como quando alguém em que acreditamos e quase idolatramos, nos desilude profundamente. Saí da sala irritado, desiludido e sem aplaudir, enquanto uma patética chuva de hipotéticas pétalas de flor de cerejeira caiam sobre o palco e o público e as dondocas e os tios bem e as tias bem, aplaudiam histéricos.

A peça de que falo e que era a última que tinha visto até ontem, com o nome de qualquer coisa como Céu e Terra, foi desenvolvida depois de uma residência no Japão, e é um tal empastado de colagens mal feitas bauschianas sem sentido, e apenas arrumadinhas para parecer bonitinhas ao público, que tudo aquilo mesmo bem espremido é de tal forma mau, que se torna confrangedor, sobretudo vindo de uma criadora que sabémos ter feito coisas arrebatadora tais como 1980 – Ein Stuck von Pina Baush, Walzer ou Viktor, para citar apenas algumas dos trabalhos da Pina Bausch.

Na altura fiquei zangado com Pina Bausch e decidi não ver mais nenhum espectáculo recente dela. Na mesma altura em que vi o horrendo Céu e Terra, tinha igualmente revisto pela segunda vez o maravilhoso Nelken em Lisboa no São Luiz e um pouco antes, a encenação pela Pina Bausch da lindíssima ópera dançada Orphée et Eurydice a partir da ópera de Gluck, no Palais Garnier de Paris, com interpretações do corpo de bailado da Ópera Garnier, orquestra, coro e cantores (é uma das poucas peças que Pina Baush não usa a sua companhia de Teatro de Wuppertal) e, fiquei siderado como é que uma peça de 1975, quase 30 anos depois, consegue ter aquela actualidade de forma tão visceral.

Na encenação de Orphée et Eurydice Pina Bausch, concilia os corpos dos cantores com os dos bailarinos, colocando-os lado a lado em palco. Duas Eurydice, dois Orpheus, uma voz que é um corpo e um corpo que é apenas um corpo. Opta pela versão original alemã da ópera de Gluck (existem três versões, a alemã, a italiana e a francesa), em que nada acaba bem e Orfeo, não consegue não deixar de olhar para Eurydice e com isso a condena a viver para sempre no mundo dos mortos.

Na versão Italiana e versão Francesa, Eurydice não morre, e os deuses dão uma segunda oportunidade a Orfeo perdoando-lhe a sua traição, porque Maria Antonieta assim o exigiu a Gluck, porque o público de Paris, exigia óperas com um final feliz.Tal qual como hoje, nas telenovelas.

O Orphée et Eurydice de Pina Bausch é sobre o amor, o luto e a violência, sentimentos que sentimos quando perdemos alguém que amamos, o luto que nos recusamos fazer por essa pessoa, e a violência que temos para connosco e com os outros na recusa da aceitação da morte do outro, que nada mais é que a recusa da não aceitação da ideia da nossa própria morte.

Na verdade, nas nossas vidas, a incapacidade que temos em aceitar e lidar com a perda, com a morte, não advém do amor que temos pelo outro, mas reside nas nossas egoístas necessidades individuais. É isso que Pinna Baush nos atira à cara em forma de poesia, quando nos mostra o falhanço de Orfeo em trazer Eurydice do mundo dos mortos.

Eurydice morreu e os deuses comovidos com a dor de Orfeo dão-lhe a possibilidade de ele a ir buscar ao mundo dos mortos, com a condição, de durante todo o percurso, Orfeo não olhar Eurydice na cara. Orfeo terá que encontrar Eurydice, confiar que ela é a Eurydice que ele conhece, dar-lhe a mão, trazendo-a até cá acima, ao mundo dos vivos. E Orfeo falha! Orfeo não confia em Eurydice, e a meio do percurso, sem resistir, olha-a nos olhos, para confirmar se aquela Eurydice que traz pela mão, é ainda a mesma Eurydice que ele teve no coração e ainda tem na sua memória. Com esta falta de confiança, com esta incapacidade de confiar, Orfeo mata Eurydice, exactamente da mesma forma, como nós matamos as nossas relações quando não confiamos nos que amamos e, Eurydice morre pela segunda vez, exactamente pela mesma razão, como morrem no nosso coração as pessoas que amamos, quando um dia, ao longo do percurso da vida que percorremos, deixamos nelas de confiar.

Pina Baush é quase sempre assim, a coreografa, capaz de fazer uma antropologia dos nossos sentimentos, dos nossos afectos, estripa-los e coloca-los em palco sob a forma de dança.



Ontem com Masurca Fogo no CCB, peça que Pina Bausch desenvolveu a partir de uma residência que vez em Lisboa em 1996, também foi assim, mas esta Masurca Fogo de Pina Baush, mais a Lisboa, o Portugal e os portugueses e os homens e as mulheres de Portugal e de todo o lado, que é sempre sobre o que Pina Bausch fala, fica para outro post, que hoje é sábado, estou em Lisboa e tenho que ir ver se o jacarandás já começaram a florir.

Extracto de Nelken


Final de Pina Bausch Kontakthof mit Damen und Herren ab 65 Part

3 comentários:

Luis Royal disse...

informação: os jacarandás já começaram a florir.
corra a ver, que não dura muito.

a Bausch faz chorar, sabemos bem o que isso é.
mas esta história que colou, de fazer estes espectáculos sobre as residências artísticas... deixa muito a desejar, é pretensioso e mid cult.
masurca fogo é sobre que lisboa? achei aquilo uma merda, feito para encher os olhos de quem lhe paga as contas.
bem nos lembramos do que foi vê-la em 94, kontakthof, cafe muller, a sagração da primavera (mais umas lágrimas) e isso tudo.
desistimos de ir ver a senhora. há fenómenos culturais que nos fazem alergia.
talvez quando fizer um espectáculo no casino de lisboa, sobre uma residência na expo.

bem haja.

poor guy fashion victim disse...

Masurca Fogo não é mid cult é acerca de um povo que tem medo e vergonha de ser mid cult

sem-se-ver disse...

belíssimo post. obg por ter deixado este link no jugular.